quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Eu, a bala


Não sei se sabem bem o que é ser uma bala. Provavelmente nunca vos ocorreu pensar como é que se vive, sabendo que um dia irei ser disparada contra qualquer coisa, ou alguém, sem saber em que circunstâncias nem porquê.
Ao saber-me dentro da pistola do Almirante Cândido dos Reis, um homem de fortes ideais republicanos pensei que o meu momento de glória, quando fosse disparada, seria certamente um momento importante.
Que mais havia de esperar ao pertencer a um homem que estava empenhado em derrubar a Monarquia?
O Almirante Cândido dos Reis preparava-se para se juntar aos revoltosos que se encontravam nos barcos fundeados no Tejo, contudo, ao embarcar numa pequena lancha que o levaria até lá, achou que algo estava errado. Interrogando os oficiais, a informação que lhe foi transmitida era clara. A Revolução falhara. Ninguém sabe exactamente como aconteceu, apenas eu, mas isso pouco interessa. Tudo o que sonhei para o meu dia de glória desapareceu em breves minutos. Tentei resistir, mas não era possível. Vi-me em frente ao cano, apontada ao corpo daquele homem que, tendo pensando que a Revolução fora um fracasso, decidira que a sua vida já não tinha sentido.
Tentei encravar o mecanismo… mas não deu resultado.
Tentei fazer um ruído assustador para o dissuadir… mas quase não se ouviu.
Tentei que a trajectória saísse tão curva que não o atingisse… Mas não fui capaz.
No chão ficou um corpo de um homem que sonhou, planeou e fez com que resultasse a Implantação da República em Portugal…
… O Almirante Cândido dos Reis não chegou a saber.
 André Batalha e Rafael Mamede

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